Me pego pensando em voltar a escrever faz um tempo. Escrever para mim, para um amigo ou dois, mas escrever. Talvez nada me seja mais viceral que são as palavras, todas povoando minha cabeça em meus momentos de silêncio. Palavras que guardo e que calo, talvez para não jogar ao mundo algo que possa parecer muito menor do que é, no meu próprio mundo.
Resolvi voltar a postar aqui, esse blog perdido, largado, de valor discutível. Meses depois, milhares de ideias que já se perderam no vazio...mas algo que possa valer a pena contar resiste, indiscutível, na morada entre meu peito e minha cabeça, num nó interminável que tenta se desfazer, mas apenas se alarga a cada esforço esnobe para as despejar, sem sentido, no espaço.
Se devo isso a alguém, devo a um doce e pequeno desconhecido, que vi por uma das minhas passagens de ônibus do meu conhecido caminho diário - devo me lembrar de falar dos ônibus um dia desses - e a um pequeno furto, que lhes contarei agora.
Prédios do exercício do poder nacional, grandes pacotes repetitivos que nós, moradores dessa estranha cidade que chamamos Brasília, nem ao menos reparamos mais. Dentro do ônibus, de tantas pessoas que não se comunicam (apesar de muitas delas sempre se encontrarem no mesmo ônibus todas as manhãs) cada qual preocupado com seu próprio espaço.
Algumas pessoas com seus mp3, 4, 5 etc. nem ao menos prestam atenção àquilo mesmo que escutam enquanto outros dormem solenes, cidadãos cansados talvez da própria vida. Todos meus desconhecidos colegas.
Pela janela, a mesma paisagem de cada dia, com mais ou menos pessoas, com mais ou menos luz do sol. Mas a mesma paisagem. Não me canso de repetir essa paisagem, olho cada espaço, acho cada prédio divertido em sua repetição formal, contrastando com monumentos que servem de cartão postal para os turistas que se arriscam a vir por aqui.
Nesse dia, que não me lembro qual dia, vi um garoto bem cuidado correndo, fugindo sorrateiro talvez ao se aperceber que fizera uma molecagem. Em suas pequenas mãos, o produto de seu furto. Esse garoto não tem pais? Sozinho no meio de espaço tão predatório? Ninguém vê o que ele faz - além de mim?
Olhei para meus colegas de viagem, alguém me fez cara feia. Ademais, ninguém parecia olhar para fora da janela em direção ao garoto. Voltei meus olhos, antes que o ônibus partisse e o perdesse de vista. Ele também voltou seus olhos, mas não para mim. Apenas pareceu verificar se estava sozinho.
Estávamos ambos sós, o garoto e eu. Eu o fitando, e ele, entre as pequenas mãos inocentes de criança, com uma pequena flor furtada dos jardins públicos da nossa capital. Me senti comovida ao vê-lo cheirar seu pequeno prêmio, talvez antes de o abandonar, talvez antes de o jogar de volta aos canteiros. Quem sabe ele não comeria a flor naquele gesto de o levar tão perto à face, para saber se seu gosto seria tão doce quando seu aroma?
Pensei em como gostaria também de roubar uma daquelas flores, e correr para que nenhum oficial de segurança das planas de "não arranque flores" me pegasse em flagrante. Claro que eles não existem, mas a ideia de uma prisão criada por aqueles que não têm vontade de colher rosas dos jardins alheios me divertiu.
Talvez eu nunca faça isso, afinal, quão estúpido é parar para arrancar uma flor de um jardim? Algo que apenas uma criança faria, correndo o risco de tomar uns bons tapas na mão. Quão estúpido é perder tempo, corrido, ligeiro. Quanta coisa a se fazer ao invés de furtar pedaços de cor espalhados por campos de nós mesmos. Talvez por isso esses pensamentos fluam em tão pouco espaço de tempo. Em poucos segundos, dentro de um ônibus passando. Talvez seja por isso que o pensamento vem tão veloz quanto passa, para dar espaço a coisas mais úteis, que inibam a minha sensibilidade e me impeçam de criar. Talvez por isso as saudades da infância, um curto espaço de um tempo desperdiçado.
Talvez por isso a visão de um jardim sendo furtado de uma de suas flores por um pequeno garoto rapidamente dá espaço a outra: a demais prédios passando veloz e repetitivamente frente a janela daquele ônibus de todo dia. Talvez por isso nem essa visão é sustentada, e logo da espaço ao olhar vago para lugar nenhum, em um dia comum, através da janela de um ônibus qualquer.
Resolvi voltar a postar aqui, esse blog perdido, largado, de valor discutível. Meses depois, milhares de ideias que já se perderam no vazio...mas algo que possa valer a pena contar resiste, indiscutível, na morada entre meu peito e minha cabeça, num nó interminável que tenta se desfazer, mas apenas se alarga a cada esforço esnobe para as despejar, sem sentido, no espaço.
Se devo isso a alguém, devo a um doce e pequeno desconhecido, que vi por uma das minhas passagens de ônibus do meu conhecido caminho diário - devo me lembrar de falar dos ônibus um dia desses - e a um pequeno furto, que lhes contarei agora.
Prédios do exercício do poder nacional, grandes pacotes repetitivos que nós, moradores dessa estranha cidade que chamamos Brasília, nem ao menos reparamos mais. Dentro do ônibus, de tantas pessoas que não se comunicam (apesar de muitas delas sempre se encontrarem no mesmo ônibus todas as manhãs) cada qual preocupado com seu próprio espaço.
Algumas pessoas com seus mp3, 4, 5 etc. nem ao menos prestam atenção àquilo mesmo que escutam enquanto outros dormem solenes, cidadãos cansados talvez da própria vida. Todos meus desconhecidos colegas.
Pela janela, a mesma paisagem de cada dia, com mais ou menos pessoas, com mais ou menos luz do sol. Mas a mesma paisagem. Não me canso de repetir essa paisagem, olho cada espaço, acho cada prédio divertido em sua repetição formal, contrastando com monumentos que servem de cartão postal para os turistas que se arriscam a vir por aqui.
Nesse dia, que não me lembro qual dia, vi um garoto bem cuidado correndo, fugindo sorrateiro talvez ao se aperceber que fizera uma molecagem. Em suas pequenas mãos, o produto de seu furto. Esse garoto não tem pais? Sozinho no meio de espaço tão predatório? Ninguém vê o que ele faz - além de mim?
Olhei para meus colegas de viagem, alguém me fez cara feia. Ademais, ninguém parecia olhar para fora da janela em direção ao garoto. Voltei meus olhos, antes que o ônibus partisse e o perdesse de vista. Ele também voltou seus olhos, mas não para mim. Apenas pareceu verificar se estava sozinho.
Estávamos ambos sós, o garoto e eu. Eu o fitando, e ele, entre as pequenas mãos inocentes de criança, com uma pequena flor furtada dos jardins públicos da nossa capital. Me senti comovida ao vê-lo cheirar seu pequeno prêmio, talvez antes de o abandonar, talvez antes de o jogar de volta aos canteiros. Quem sabe ele não comeria a flor naquele gesto de o levar tão perto à face, para saber se seu gosto seria tão doce quando seu aroma?
Pensei em como gostaria também de roubar uma daquelas flores, e correr para que nenhum oficial de segurança das planas de "não arranque flores" me pegasse em flagrante. Claro que eles não existem, mas a ideia de uma prisão criada por aqueles que não têm vontade de colher rosas dos jardins alheios me divertiu.
Talvez eu nunca faça isso, afinal, quão estúpido é parar para arrancar uma flor de um jardim? Algo que apenas uma criança faria, correndo o risco de tomar uns bons tapas na mão. Quão estúpido é perder tempo, corrido, ligeiro. Quanta coisa a se fazer ao invés de furtar pedaços de cor espalhados por campos de nós mesmos. Talvez por isso esses pensamentos fluam em tão pouco espaço de tempo. Em poucos segundos, dentro de um ônibus passando. Talvez seja por isso que o pensamento vem tão veloz quanto passa, para dar espaço a coisas mais úteis, que inibam a minha sensibilidade e me impeçam de criar. Talvez por isso as saudades da infância, um curto espaço de um tempo desperdiçado.
Talvez por isso a visão de um jardim sendo furtado de uma de suas flores por um pequeno garoto rapidamente dá espaço a outra: a demais prédios passando veloz e repetitivamente frente a janela daquele ônibus de todo dia. Talvez por isso nem essa visão é sustentada, e logo da espaço ao olhar vago para lugar nenhum, em um dia comum, através da janela de um ônibus qualquer.

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